Enquanto o Congresso busca uma solução para bancar o piso salarial da enfermagem, suspenso após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), outras 174 propostas de remunerações nacionais tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Os números foram compilados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que estima um impacto anual de ao menos R$ 38,8 bilhões aos cofres locais. Mais de R$ 29 bilhões (75%) dizem respeito a profissões ligadas à área da saúde.
Para chegar a esse montante, a CNM considerou apenas as vinte carreiras, com projetos em tramitação no Congresso, que teriam o maior impacto aos cofres municipais.
São elas:
- farmacêuticos
- fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais
- garis
- assistente social
- biólogos
- educador social
- cuidador
- administrador
- profissional de educação física
- saúde bucal
- guarda municipal
- motorista de transporte urbano
- vigilantes
- médicos
- dentistas
- biomédicos
- fonoaudiólogos
- nutricionistas
- e psicólogos
“Isso é assustador porque o dinheiro do município é um só. Se você mexer em um órgão e ele falir, vai falir todo o organismo. Aqui é a mesma coisa. Às vezes, alguém me pergunta: mas o município não pode pagar o piso? Pode, mas e o remédio que já está em falta, como fica? E a busca vacinal, para poder imunizar as pessoas?”, questionou Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Ele avalia que a aprovação de pisos salariais, sem fonte de compensação, desrespeita o pacto federativo, ou seja, as regras que balizam as obrigações de União, estados e municípios.
O especialista em contas públicas e professor do Instituto de Direito Público (IDP) José Roberto Afonso disse ver contradições na atuação dos parlamentares.
“É muito preocupante essa tendência de o Congresso aprovar pisos que elevem o salário de servidores estaduais e municipais, pouco tempo depois de o mesmo Congresso ter aprovado leis que limitam a arrecadação do ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – tributo estadual].”
Segundo o especialista, os aumentos dos pisos salariais e a queda da arrecadação do ICMS são fatores de uma “equação que não fecha”.
Nesse embate em torno do ICMS, o governo federal alega que estados e municípios estão com os cofres cheios devido aos repasses feitos pela União durante o auge da pandemia e ao efeito da inflação e da alta das commodities (matérias-primas, como o petróleo, por exemplo) sobre a arrecadação.
Os técnicos da equipe econômica do governo acreditam que, mesmo com a limitação das alíquotas do ICMS sobre itens essenciais, a receita geral do tributo não terá queda expressiva em 2022 na comparação com 2021. O tema também é alvo de disputa no âmbito do STF.
Pandemia e projetos na Saúde
Dentre as 174 propostas em tramitação no Congresso, 160 estão na Câmara e 14, no Senado. Desse total, 55 projetos – ou seja, cerca de um terço – foram apresentados desde 2020, ano marcado pelo início da pandemia de Covid-19.
O período impulsionou as carreiras, principalmente da área da saúde, a buscarem o estabelecimento de pisos salariais.
O presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos, Fábio Basílio, também considera que a recente aprovação da lei que criou o piso salarial da enfermagem estimulou esse movimento.
A vitória da categoria no Congresso abriu um “portal dos pisos”, na avaliação de Basílio. Ele acompanha, desde 2001, a tentativa de aprovação de um projeto semelhante para a sua profissão.
“Hoje, o profissional da saúde trabalha em um, dois, três locais. Por que ele necessita trabalhar tanto? Porque o salário é muito baixo, principalmente no serviço público”, diz Basílio.
“Você vê muitos editais de prefeituras que trazem salários em torno de R$ 1,6 mil ou R$ 2 mil. Ou seja, remunerações que não dão uma condição digna para a sobrevida dessa pessoa.”
A advogada trabalhista Alessandra Boskovic pondera que a criação de pisos nacionais, por meio de lei federal, ignora as profundas diferenças regionais do Brasil.