Com o dinheiro gasto na concessão de licenças-prêmio a servidores públicos em 2017, 2018 e janeiro de 2019, o Estado poderia ter quitado a dívida com hospitais filantrópicos e Santas Casas e injetado recursos suficientes para concluir a duplicação da RS-118. Nesse período, as indenizações funcionais – consideradas um importante incentivo pelo funcionalismo e extintas em votação da Assembleia na última terça-feira (26) – consumiram R$ 407,8 milhões dos cofres estaduais. O valor é superior ao custo estimado para a finalização da obra, de cerca de R$ 90 milhões, e aos R$ 245 milhões devidos às instituições de saúde.
No caso dos estabelecimentos hospitalares, a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul informa que estão em atraso parcelas no valor de R$ 70 milhões relativas a outubro, novembro e dezembro de 2018, além de R$ 35 milhões que deveriam ter sido pagos em setembro do ano passado. O passivo vem afetando a rotina das instituições, que enfrentam dificuldades financeiras para pagar salários em dia.
Quanto à RS-118, entre Gravataí e Sapucaia do Sul, a novela da duplicação se arrasta desde 2006, quando tiveram início os trabalhos. A demora é atribuída à falta de recursos. Com a verba usada nas licenças-prêmios nos últimos dois anos e um mês, em tese, os 22 quilômetros de pista dupla já poderiam ter sido entregues.
Considerando apenas o custo médio mensal dessas indenizações, o montante gira em torno de R$ 15 milhões. É pouco frente a todos os compromissos do Estado, entre eles a folha de pagamento dos servidores do Executivo (no valor de R$ 1,5 bilhão), que vem sendo parcelada sem trégua desde 2016.
Por conta disso, a avaliação de integrantes do governo Eduardo Leite (PSDB) é de que é preciso ir além. A cúpula do Palácio Piratini prepara uma série de projetos com o objetivo de revisar o estatuto dos servidores e de propor mudanças em planos de carreira, para reduzir custos e modernizar a gestão de pessoas. O impacto financeiro ainda está sendo calculado, mas a tendência é de que seja maior. Por enquanto, as modificações são mantidas em sigilo.
— É uma pauta importante (o fim das licenças-prêmio, proposto pelo governo Sartori), mas o mais importante é a pauta que ainda está por vir, que é mais estruturante, em que a gente olha não para um benefício em separado, mas para todo o quadro, para o que faz e o que não faz mais sentido do ponto de vista da gestão. Temos uma legislação que vem dos anos 50, 60 e 70. É muito importante que a gente tenha uma visão mais macro — avaliou a secretária estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos, em entrevista à Rádio Gaúcha.
A alteração nas licenças-prêmio foi sugerida no governo de José Ivo Sartori (MDB), mas estava travada na Assembleia há cerca de um ano e meio. A proposta de emenda à Constituição (PEC) havia sido aprovada em primeiro turno em junho de 2017, mas precisava passar por um segundo turno de votação, por se tratar de uma PEC.
Nesta terça-feira (26), com 38 votos a favor e 12 contrários, os deputados estaduais chancelaram a medida. Até então, os servidores podiam tirar três meses de descanso a cada cinco anos trabalhados. Agora, passa a vigorar a licença-capacitação. Com isso, o servidor poderá requerer, a cada cinco anos, afastamento de três meses para aperfeiçoamento profissional.
A novidade valerá para os servidores que já integram o quadro, mas não incidirá na contagem dos cinco anos já em andamento. Além disso, as licenças não usufruídas perderão a validade em três anos, e o servidor não será indenizado se não pedir formalmente a dispensa.
Caso o funcionário faça a solicitação, indicando que curso planeja fazer, e não receba resposta em três anos, será indenizado com o valor do salário. Não poderá mais usar o tempo de licença não utilizado para se aposentar antes do previsto. Também não haverá mais a conversão do benefício em dinheiro.
Sindicato lamenta decisão
A decisão da Assembleia foi lamentada por representantes do funcionalismo. Para a presidente do Cpers-Sindicato, Helenir Aguiar Schürer, o fim das indenizações é mais uma forma de desvalorizar os professores e os demais servidores do Estado. Ela argumenta que os salários dos docentes são baixos e que, sem esse incentivo, ficarão ainda menores.
— É com bastante tristeza e decepção que recebemos essa aprovação. Não houve diálogo. Nosso plano de carreira já prevê a licença para que possamos estudar. Portanto, só estamos perdendo o direito da licença-prêmio que, para nós, significava no final da carreira podermos receber um pouco mais de proventos, já que nosso salário é baixíssimo e isso nos ajuda, porque não temos Fundo de Garantia — disse Helenir, na ocasião.
Os custos da licença-prêmio
Confira quanto o Estado gastou com indenizações do tipo nos últimos anos:
2017: R$ 168,4 milhões
2018: R$ 224,4 milhões
2019 (janeiro): R$ 15 milhões
Total: R$ 407,8 milhões
O que daria para fazer com esse dinheiro
1) Quitar a dívida com hospitais filantrópicos e Santas Casas (R$ 245 milhões)
2) Concluir as obras de duplicação da RS-118 (R$ 90 milhões)
3) Multiplicar por 10 o valor destinado ao pagamento de precatórios em um mês (em torno de R$ 40 milhões)
4) Pagar uma parcela mensal da dívida com a União (de cerca de R$ 280 milhões)
5) Aumentar em cerca de 40 vezes o valor médio mensal destinado à direção de escolas (chamado de “autonomia financeira”) para a manutenção dos estabelecimentos (cerca de R$ 10 milhões)
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